Um estudo de Vitória Pereira Vieira com orientação da profª Silvana Nicoloso

O objetivo do estudo foi investigar em quais aspectos o avanço tecnológico digital e de comunicação contribuiu no processo de integração de pessoas surdas à sociedade e como a utilização do aplicativo WhatsApp tem facilitado a comunicação a distância entre ouvintes e surdos.

Para isso, juntamente com um estudo teórico, foram entrevistados 6 estudantes surdos, com idades entre 18 e 25 anos. Eles responderam perguntas sobre seus modos de interação com o WhatsApp e seus modos de comunicação digital antes da ferramenta.

Os resultados foram analisados usando a técnica de repetição de palavras, do autor Ryan e Bernard (2003). Nessa forma de análise, são buscadas palavras repetidas nas respostas dos entrevistados e esse conjunto de palavras se torna assunto para aprofundamento.

A análise mostrou observações bem interessantes, as quais surpreenderam a pesquisadora.

É perceptível a grande adesão dos surdos às tecnologias digitais e às redes sociais. Alguns autores têm mostrado a importância de poderem interagir em língua de sinais mesmo à distância, compartilhando vídeos e utilizando recursos como ferramentas de tradução, imagens, emoticons, abreviaturas e animações.

Vitória destaca o pensamento de alguns autores:

Com a tecnologia digital ocorreram significativas mudanças contemplando o público surdo. A luta pela plena democratização da educação e pelo direito de integração das pessoas em todas as áreas da sociedade ganha fôlego.

(TORRES et. al., 2008)

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O advento da internet foi precursora de uma série de benefícios para os surdos, como a ampliação de interações entre membros desta comunidade sem restrição geográfica, a aprendizagem, a noção da cultura da informação e o acesso à história e à cultura surda.

(STUMPF, 2006)

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Os ambientes virtuais preferidos pelos surdos são os email, bate-papo, messenger e redes sociais, os quais são essencialmente voltados para a interação social.

(CORRADI e VIDOTTI, 2007)

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A pesquisadora optou por investigar o uso do WhatsApp levando em consideração que o aplicativo tem:

120 milhões de usuários brasileiros

público superior ao Facebook e Twitter

trocas de aproximadamente

20 bilhões de mensagens diariamente

O WhatsApp também reúne várias possibilidades de interação entre seus usuários como envio de vídeo, texto, criação de grupos, compartilhamento de arquivos e realização de vídeos chamadas.

O estudo teórico mostrou que o aplicativo analisado tem auxiliado a relação entre surdos ou entre surdos e ouvintes por meio de uma variada forma de comunicação.

Além disso, através do aplicativo, se promove a aprendizagem estimulando o raciocínio, a elaboração de estratégias de leitura e interação, a formação de hipóteses e o desenvolvimento de análises e reflexões (SANTOS, 2013).

LEVANTAMENTO E ANÁLISE DA DADOS

Na segunda etapa do trabalho, foi feita uma coleta de dados com os surdos, através de uma entrevista coletiva gravada em vídeo. Depois, realizaram-se repetidas observações das gravações para análise e transcrição.

Os 6 (seis) estudantes que participaram da pesquisa são surdos bilaterais profundos, fluentes em Libras e possuem bom conhecimento do português escrito.

A análise buscou identificar as influências da tecnologia digital e de comunicação na inclusão de pessoas surdas, bem como investigar se os meios utilizados para intermediar as conversas dentro do aplicativo trouxeram alguns benefícios ou contribuições na vida dos usuários. Também foram investigadas as vantagens e dificuldades encontradas por eles no uso desse meio de comunicação.

As palavras predominantes foram: “acessibilidade”, “inclusão digital” e “comunicação”. Isso possibilitou dividir o trabalho em 2 tópicos: “a tecnologia como meio de inclusão” e “acessibilidade no Whatsapp”.

Pontos positivos

Percebeu-se o aumento da autonomia dos surdos para o exercício de suas atividades habituais, bem como sua participação social em grupos virtuais e sociais e a maior facilidade de acesso às informações.

Os entrevistados demonstraram prazer em tirar e compartilhar fotos, usar gifs animados e emoticons, apesar disso utilizam mais textos na comunicação pelo aplicativo do que chamadas com vídeo em Libras.

Destacam que com isso desenvolvem a aprendizagem do português e se comunicam mais com pessoas ouvintes.

Aspectos negativos

A dificuldade do uso do português escrito é um problema, já que muitos surdos não são fluentes em português.
Veja um depoimento:

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Negativo eu acho que é, por exemplo: eu tenho vários amigos que alguns têm dificuldades no português. A principal dificuldade deles é no português, então quando envia uma mensagem no português, eles não me respondem e eu fico sem resposta, pois eu percebo a dificuldade grande que eles têm de escrita. Aí eu precisei adaptar e escrever, tipo como se fosse escrita de surdo, bem resumidamente, quando escrevo em português. Esse é um dos aspectos que considero negativo, quando preciso me comunicar com amigos surdos que não sabem bem o português.

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Na entrevista foi apontado que o uso de vídeos em Libras gera um certo desconforto, pois precisam utilizar as duas mãos nesse processo, sendo necessário posicionar a câmera em algum local para sinalizar em Libras. Reclamaram também da demora para enviar os vídeo, e dos casos em que é interrompido no meio da gravação.

Os surdos destacaram também o benefício de uma nova rede social chamada Telegram, muito semelhante ao WhatsApp e que não era do conhecimento da pesquisadora, o que a deixou surpresa, já que imaginou, no início do trabalho, que o WhatsApp seria a melhor ferramenta de interação entre os surdos.

A nova plataforma supre a grande maioria das necessidades apontadas pelos entrevistados no processo de comunicação e é considerado mais rápida. Apesar dos benefícios deste novo aplicativo, os surdos que participaram da entrevista os utilizam com pouca frequência devido à maioria dos seus conhecidos (familiares e amigos) preferirem o WhatsApp para se comunicar.

O uso de áudio, ou vídeos com áudio, gera problemas e constrangimentos na comunicação quando as pessoas não sabem que o interlocutor é surdo, ou não consideram a presença de um surdo no grupo.

Veja mais um depoimento de um participante da pesquisa:

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De negativo eu acho que falta, por exemplo, quando a pessoa me manda um áudio. Ela me envia um áudio e não sabe que eu sou surda. Também quando tem um vídeo e está em áudio é ruim. Poderia ter uma ferramenta que transcreve o que a pessoa está falando, como por exemplo: a pessoa fala em português e a tecnologia adapta, faz uma transcrição em forma escrita. Um programa que escrevesse tudo o que a pessoa está falando e fizesse a transcrição da voz para o português escrito.

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Os estudantes destacaram que existem alguns aplicativos que convertem os áudios em texto escrito. O aplicativo mais utilizado por esse grupo é o hand Talk. Os usuários têm a possibilidade de traduzir automaticamente de forma gratuita, seus textos e áudios. Outro aplicativo semelhante, que já está em uso, é o Live Transcribe, que captura conversas por meio do microfone do aparelho e transcreve o texto na tela do celular.

Os entrevistados apontaram que converter os áudio em texto escrito pelo próprio WhatsApp seria uma melhoria muito útil, abrangeria os surdos dentro desta experiência sonora, sem precisar recorrer a uma terceira pessoa para interpretação ou a outro tipo de aplicativo.

A conclusão do trabalho revela que, apesar do crescente avanço tecnológico, os recursos oferecidos ao público surdo são poucos e poderão ser aperfeiçoados.

Mas, a pesquisa realizada por Vitória ainda tinha uma surpresa e um grande estímulo ao nosso trabalho. Quando foram questionados a respeito do que seria inclusão e a importância de se sentirem incluídos, em especial no meio digital, um estudante respondeu que:

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Aqui no IFSC tem aquela reVista (nome do projeto) que não chega a ser uma inclusão, quer dizer, ela é o que a gente gostaria de inclusão. Porque eu acho que todas as empresas e lugares deveriam ter essa reVISTA como um modelo, porque o que a gente tem de acervo, de escrito, os artigos, a gente tem tudo ali também em vídeo.

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