Os glossários em Libras têm sido gradativamente mais usados e estudados. A partir do reconhecimento da Libras como língua brasileira e direito dos surdos na comunicação e educação, os surdos passaram a alcançar níveis mais altos de ensino. Com isso, algumas áreas técnicas necessitam criar outros sinais.  

Das traduções de aulas e de materiais educacionais surge a necessidade de definir sinais para os termos mais relevantes ou que se repetem mais. Algumas vezes, os intérpretes com os estudantes surdos definem esses sinais. Em algumas instituições são criados grupos de discussão que incluem professores da área e linguistas, além de tradutores e pessoas da comunidade surda, para apoiarem os trabalhos de tradução. Outras vezes, os sinais vão surgindo espontaneamente na comunicação entre os surdos. Isso gera muitos sinais diferentes para um mesmo conceito técnico, dificultando a comunicação entre sinalizantes de regiões diferentes. Portanto, a criação de glossários é tão importante, assim como seu compartilhamento e divulgação.

A comunidade de usuários da língua precisa se apropriar dos neologismos para que sejam consolidados como vocabulário ativo. Mas é preciso considerar que a língua é viva e dinâmica. 

A prática terminológica tem importância social contribuindo para a informação e comunicação e seu estudo integra fundamentos de diferentes áreas, como ciências da linguagem, cognição e estudos socioculturais. Os estudos terminológicos mostram que mesmo na construção empírica e colaborativa, os neologismos tendem a se estabelecer em bases conceituais estruturadas e utilizar morfemas de base atraindo conteúdos e conceitos relacionados, o que atribui mais sentido e clareza para os novos termos. Também enfatizam o aspecto social da língua e as transformações e adequações terminológicas que ocorrem no uso em diferentes sociedades, contextos, abordagens do tema, objetivos do discurso.

O Portal de Libras oferece um espaço aberto para a publicação de glossários de diferentes áreas do conhecimento.

Outro desafio na criação de glossários em Libras é a organização dos termos em vídeos, o que geralmente é feito seguindo a ordem alfabética dos termos em português. É difícil a localização de um sinal se a pesquisa for feita pela língua de sinais e poucos glossários oferecem essa opção. Para fazer a busca por um sinal, geralmente são usados diferentes parâmetros, como configuração de mãos, local onde é feito o sinal, orientação e tipo de movimento. 

O glossário do curso de Letras Libras oferece a opção de pesquisa selecionando uma configuração de mãos (organizadas em grupos de configurações), depois marcando a posição em que é feito o sinal e selecionando o vídeo com o sinal.

O design dos glossários deve contribuir para a visualização detalhada das configurações de mãos e movimentos. Para uma boa legibilidade é necessário fazer uma seleção de cores com contrastes adequados e o uso de enquadramentos que favoreçam o foco na sinalização. Alguns glossários, como o Glossário de Português e Literatura do IFSC, oferecem diferentes ângulos de visualização do sinal.

Da mesma forma, é importante considerar o ritmo da sinalização, e o ideal é que possa ser ajustado pelos diferentes observadores.

Além disso, a definição de um conceito novo deve considerar as características do público surdo. A apresentação de exemplos, o uso de imagens, vídeos e animações e o complemento de textos em português escrito e em SignWriting podem favorecer a compreensão. 

Veja as alternativas gráficas e conheça um pouco sobre o processo de desenvolvimento de alguns glossários elaborados no IFSC câmpus Palhoça bilíngue. 

O site glossário GLTec é resultado do projeto Pesquisa e produção de glossário de sinais em Libras para os termos técnicos das áreas das tecnologias visuais: fotografia, animação e design gráfico. O projeto foi coordenado pela professora e designer Bianca Antônio Gomes e o desenvolvimento do glossário ocorreu em quatro etapas. Confira a seguir.

a) Pesquisa dos termos: inicialmente, foi feita uma busca em livros de fotografia, design gráfico e animação para identificar os conceitos essenciais para o estudo. Além da pesquisa bibliográfica, foram consideradas as sugestões dos professores que ministram aulas dessas áreas para alunos surdos.

b) Seleção e criação dos sinais: primeiramente, foi feita uma pesquisa dos termos selecionados para identificar quais já tinham sinais em Libras. As principais referências nessa busca foram o Instituto Nacional de Educação dos surdos – INES, o Glossário de Libras da UFSC e o dicionário da Língua de Sinais do Brasil.

Mas não foram encontrados sinais para todos os termos, o que demandou a elaboração de neologismos.

A criação dos novos sinais levou em consideração os parâmetros da língua – configuração de mãos, ponto de articulação, movimento, orientação e expressão facial/corporal –, e buscou a simplicidade e objetividade, lembrando visualmente o objeto ou situação a que se refere. As propostas para os sinais eram então apresentadas em reuniões com professores surdos, professores bilíngues, intérpretes e conhecedores da cultura surda que faziam as críticas e sugestões de melhorias, que foram acatadas para a definição dos sinais.  

c) filmagem e edição.

d) criação do web glossário: foi criado um site com os sinais de cada área. As definições dos termos foram apresentadas em português escrito e complementadas com ilustrações de exemplos.

O Glossário Acadêmico de Química em Libras é um material de apoio didático bilíngue (Libras/Português) para o ensino de química. Foi idealizado pela professora Karina Zaia Machado Raizer e discutido em sua dissertação de mestrado com orientação da professora Roberta Pasqualli. 

Para o desenvolvimento do trabalho foi necessário a participação de uma equipe multidisciplinar composta pela pesquisadora/professora de química, uma professora da área da tradução e interpretação (Libras/português), dois professores surdos da área da Libras, uma web designer, dois tradutores/intérpretes de língua de sinais e um estudante surdo do curso superior de Tecnologia em produção multimídia.

Conforme Karina Raizer, os assuntos foram selecionados e organizados de forma semelhante aos livros didáticos usados nas escolas de Educação Básica.

A pesquisa não tinha como objetivo a criação de sinais de termos químicos em Libras, optando pelo uso de sinais já conhecidos pelos intérpretes de língua de sinais que acompanhavam as aulas deste componente curricular. No entanto, os estudantes surdos não reconheciam o sentido em alguns dos sinais apresentados. Nesses casos, foram abertos espaços para a discussão entre os estudantes e membros da equipe executora, em que todos faziam suas considerações e apresentavam outras possibilidades para os sinais. Ao final, os estudantes surdos faziam as escolhas. Isso ocorreu com os sinais dos termos: tabela periódica, núcleo e eletrosfera.

A identidade visual utilizada foi baseada nos elementos da área da química e na identidade do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia.

Buscou-se um layout limpo e leve, visto que a carga informacional do conteúdo já é grande ao utilizar diferentes formas de apresentação: vídeo, imagens e texto. A cor roxa foi utilizada como destaque e quebra da monotonia na interface, criando vivacidade ao ser incorporada ao branco e ao verde predominantes..

Karina

No glossário de química, os elementos que mais contribuem para o aprendizado do sujeito surdo foram valorizados, como o vídeo em Libras em primeiro plano. Foram utilizadas a indicação numérica no canto superior esquerdo, a escrita de sinais (SignWriting) à direita e a inserção de imagens. O conteúdo é apresentado em português escrito, mas o texto é inserido em segundo plano.

O glossário passou por uma avaliação junto aos professores de química. Com relação às dificuldades enfrentadas no ensino de química para estudantes surdos, os docentes consideraram que o glossário é um material útil para apoio didático. 

Também foi feita uma avaliação tendo como base o Guia prático para o design de mídia digital com foco no usuário surdo elaborado por Vieira (2019). O guia oferece recomendações centradas nos aspectos humanos dos surdos ao visualizarem as informações e está organizado em sete princípios gerais. Confira a seguir.

Princípio da redundância linguística: tem como objetivo garantir que os diferentes usuários surdos, com seus variados conhecimentos linguísticos, possam compreender as informações, possibilitando várias maneiras de ler o conteúdo. 

Princípio do contexto: o objetivo é contextualizar o que será apresentado de acordo com o repertório do leitor. Usar resumos, tomar cuidado para que as imagens sejam significativas, que os elementos para navegação sigam referências conhecidas e que os ícones sejam acompanhados de texto, destacar as informações fundamentais, são exemplos de recomendações.

Princípio do protagonismo: em projetos para o público surdo é indispensável que eles participem de todo o desenvolvimento e das decisões de projeto.

Princípio do pertencimento: utilizar elementos representativos do contexto sociocultural do surdo para que se sinta atraído e visualmente representado. 

Princípio da autonomia: o usuário deve ter o controle das ações. É fundamental que possa configurar a mídia de acordo com suas necessidades e possa tomar decisões com independência na navegação.

Princípio da visualidade: recomenda valorizar os recursos visuais e tomar cuidado com a apresentação clara dessas informações.

Princípio da relevância: refere-se à organização da estrutura e à hierarquia visual das informações propiciando uma compreensão rápida.

Conforme a análise feita, o site Glossário foi considerado muito bom. Visite o Glossário para conhecer os sinais e ampliar seus conhecimentos de química e de Libras.

Referências

RAIZER, Karina Zaia Machado. Estratégias de ensino de química para surdos. Dissertação (mestrado). Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica. Instituto Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2020.

VIEIRA, Francine Medeiros. Princípios para o design de mídia digital com foco no usuário surdo. Dissertação (Mestrado em Design e Expressão Gráfica). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.