O assédio, que pode ser moral ou sexual, é um problema difícil de combater, pois está entranhado em culturas machistas. As notícias, cada vez mais frequentes, contribuem para encorajar outras pessoas a revelarem traumas e denunciarem abusadores. Assim como o jornalismo, as mídias sociais, com as hashtags #metoo (do inglês, “eu também”) e #meuprimeiroassedio, que reúnem depoimentos sobre o tema, são importantes e a ficção também. Sim, a ficção!

Nicole do Nascimento investigou o tema em seu trabalho de conclusão de curso com título: Assédio às mulheres em contexto de trabalho: um estudo de caso da série The Morning Show. O objetivo da pesquisa foi a identificação e a exemplificação de como a série The Morning Show representou os casos de assédio, bem como o debate teórico de tais situações e a repercussão ocorrida por meio da movimentação virtual através de hashtags, por exemplo, a #metoo. 

A metodologia utilizada foi o estudo de caso, de caráter qualitativo e exploratório. Na pesquisa, diversos assuntos foram abordados, como o audiovisual, a mídia e sua influência, o feminismo e perspectivas de gênero. 

As relações de poder apontam para a cultura de dominação de homens sobre as mulheres, reflexo de como a sociedade patriarcal opera. E no ambiente de trabalho não seria diferente. Questões relacionadas à saúde das mulheres foram discutidas; o fator de segurança é um exemplo, tendo em vista que o assédio pode ser sexual ou moral e pode trazer danos físicos, psicológicos ou, como na maioria dos casos, ambos, simultaneamente.

O seriado The Morning Show, lançado em 2019, retrata casos de assédio moral e sexual de mulheres que trabalham em uma rede de televisão estadunidense, trazendo as situações mais comuns das relações de poder nos ambientes corporativos e mostrando como a fama pode influenciar nas resoluções desses tipos de caso. O assediador retratado na série, homem rico, branco e famoso, é um reflexo de muitos assediadores da vida real. Essas características impactam diretamente nesses casos, principalmente em ambiente de trabalho, já que a fim de comprar o silêncio das vítimas, esses abusadores exercem o poder ameaçando ou oferecendo vantagens e promoções de cargo nas empresas para evitarem as denúncias.

A mobilização social que ocorre no mundo virtual por meio das hashtags #metoo e #meuprimeiroassedio faz com que as vítimas de assédio possam ter mais visibilidade e, consequentemente, que a mídia seja obrigada a retratar, de forma realista, o abuso vivenciado por essas mulheres. O uso das hashtags na internet se mostra muito importante, da mesma forma, na conscientização e nas denúncias de violência sexual, tendo em vista que o jornalismo é uma ferramenta com um potencial muito grande para romper o silêncio e promover discussões acerca do tema. 

Ainda a respeito das hashtags, o fato delas agruparem conteúdos e temas específicos facilita a pesquisa para os usuários, o que impulsiona o tema e faz diversas pessoas terem acesso a relatos reais e diversificados, o que pode gerar sentimentos de conexão entre as vítimas e a indignação coletiva. Segundo Nicole, traz benefícios porque é uma forma de não perpetuar o silenciamento dessas vítimas, porém, vale lembrar que é necessário fazer um recorte social e considerar que nem todas as mulheres possuem acesso à internet ou a uma rede de apoio da comunidade ao seu redor.

No seriado analisado, a utilização da hashtag #metoo é mencionada de maneira pejorativa pelos personagens masculinos, o que evidencia que a busca pelos direitos das mulheres e o combate às violências é um caminho complicado, repleto de injustiças e opressões. A série retrata, por exemplo, a compra de silêncio de uma das mulheres que sofreram o abuso: o personagem masculino propõe elevar o cargo da vítima na empresa, com uma postura que demonstra o oposto do que seria uma conduta correta, tornando o ambiente de trabalho ainda mais inseguro. Esse é só um dos exemplos do que pode acontecer quando uma mulher, inserida em um ambiente misógino tenta denunciar as violências que enfrenta.

Por fim, mesmo um seriado que se passa em outro país pode gerar familiaridade aos espectadores de fora, já que ao redor do mundo inteiro mulheres são alvo do machismo sistêmico em ambientes de trabalho. Ao retratar um problema sério como esse em peças audiovisuais, é possível obter um alcance de maneira mais significativa, o que ajuda as vítimas a enfrentarem, em cada contexto, os traumas decorrentes dos episódios de assédio. Assim como pode ser uma forma de instigar a coragem das mulheres que sofrem ou já sofreram abusos, mas que ainda não conseguiram denunciar tais violações.