ILUSTRAÇÃO: PARA ENTRAR NO MUNDO DAS CRIANÇAS
Fazer um trabalho de ilustração é bem mais do que representar o que dizem as palavras. Nos livros de ficção ilustrados, as imagens precisam tocar o coração, a alma, as expectativas e ilusões do leitor. Se for um livro infantil, o ilustrador terá que voltar no tempo, e relembrar como é ser criança.
Mas também é importante ouvir as crianças, entender as angústias, os medos e os sonhos desses pequenos do mundo atual. E não é fácil. O drama de crianças que vivem a guerra, a solidão, a fuga, a vida de refugiados, por exemplo, pode nos parecer algo muito distante e incompreensível. Mas essa é a realidade que impacta milhares de crianças no mundo todo.
Comunicação visual, junto com a professora de desenho, Daniela Almeida, fizeram.
A proposta foi o desenvolvimento de um projeto de desenho com uma reflexão sensível sobre a criança e a realidade contemporânea dos refugiados. Os refugiados vivem uma situação de fuga de seus territórios em conflito em busca de abrigo em outros países. Entre eles existem muitas crianças.
Cada estudante escolheu uma criança, leu seus depoimentos, conheceu seus desenhos e fotos e fez uma história ilustrada para ela. Veja como foi feito o projeto, alguns exemplos das historinhas ilustradas e o que contam os estudantes sobre o processo de trabalho.
As etapas de desenvolvimento do projeto envolveram:
1 Pesquisa
Para o desenvolvimento do projeto de desenho, o estudo utilizou como referência o trabalho e a iniciativa de André Naddeo. Ele é jornalista, fotógrafo e saiu do Rio de Janeiro, onde vive e trabalha, e foi para a Grécia com a ideia de registrar a vida de uma forma diferente. Na Grécia, Naddeo foi voluntário no porto de Pireu, um lugar que recebe refugiados. Lá, ele cuidava da limpeza do armazém e, em seu tempo livre, fazia registro fotográfico do cotidiano dos refugiados. Naddeo teve a iniciativa de oferecer folhas de papel e canetas para as crianças fazerem desenhos e, com a autorização dos pais, fazia fotografias. Essa iniciativa deu origem ao Projeto Drawfugees que reúne fotografias de crianças refugiadas, juntamente com seus desenhos.
Você pode conhecer mais sobre o projeto Drawfugees na página do facebook, no instagram ou no youtube.
Outra referência importante para o projeto foi o trabalho do Instituto de Reintegração de Refugiados no Brasil (ADUS) que, junto a Estante Mágica e a Alphagraphyc, desenvolveu um livro com histórias autobiográficas ilustradas pelas crianças em situação de refúgio, no Brasil, no estado de São Paulo.
Você pode conhecer mais sobre a ADUS e a Estante mágica nos links abaixo.
2 Observação
Além dos estudos sobre o tema, são feitas observações para sondar o interesse das crianças. Neste caso, foram observados os desenho e os depoimentos da criança escolhida, procurando compreender melhor sua história e seu pensamento sobre a experiência de ser refugiada.
3 Conceitos
São algumas palavras-chave que definem o que o desenho deve transmitir, bem como as sensações que a imagem vai buscar provocar no leitor. É a partir dos conceitos que o trabalho de criação é desenvolvido e avaliado.
4 Painel semântico
É feita uma pesquisa visual, buscando referências de composição gráfica para as ilustrações da narrativa. O painel semântico é uma reunião de imagens que ajudam a compreender os elementos do design que podem contribuir para traduzir os conceitos, como: cores, tipografia, estilo do desenho, composição, imagens que podem inspirar o trabalho de criação.
5 Escrita
Criação de breve narrativa ficcional, utilizando como referência uma criança refugiada e seu desenho. O teor da narrativa apresenta como objetivo tornar essa criança um sujeito, vivendo uma aventura com acontecimentos tristes e alegres, expectativas e perspectivas para o futuro.
6 Ilustrações
São feitos esboços, ilustrações vetoriais e pintura digital.
EXEMPLOS:
Eu e minha mãe andando pela floresta
Kristine Anderle
Eu e minha mãe andamos pela floresta, nós sempre fazemos isso quando estamos tristes para estarmos em silêncio, mas principalmente quando estamos felizes, que é quando nós sentimos paz. Em dias de chuva, mas principalmente nos de sol, porque é durante eles que nós caminhamos no bosque para olhar as borboletas coloridas que pousam de florzinha em florzinha – rosas, roxas, amarelas e azuis, dançando junto com o vento.
(…) Uma vez eu tive um sonho com essa floresta, eu estava passeando e cantando. Foi quando eu ouvi mais uma voz, que vinha do bosque. Corri pra ver o quem tinha cantado – parecia de outra criança, e eu queria brincar. Olhei em volta e não havia ninguém, apenas o som. Levei um susto quando olhei para baixo, que me fez cair no chão – eu percebi que as florzinhas eram quem cantavam.
Elas riram. “Que lindas!”
(…) Eu segui pelo bosque até chegar em uma plantação de vegetais, segui um raciocínio lógico: se as florzinhas podiam cantar, as verduras também poderiam! corri até as mais próximas – as beterrabas, elas estavam todas juntas conversando sobre seus próprios assuntos, e quando eu cheguei elas não deram muita bola. Então eu fui ver as cenouras, mas elas pareciam assustadas comigo… então imaginei que raízes não gostassem muito de crianças e fui embora.
Os Nebulos
Roberta de Souza
Existe uma lenda que diz ter entre as nuvens pequenas criaturas comedoras de maçãs que observam tudo lá de cima. Essas pequenas criaturas, chamadas de Nebulos, cuidam para que as noites sejam lindas e brilhantes, mas quando se zangam, inconscientemente fazem com que as noites se tornem frias e nebulosas. A lenda conta que uma pequena Nebulos estava cansada de todo dia se esforçar para transformar as noites em uma coisa bela e as pessoas não apreciarem. Então convenceu a todos de que os seres humanos não mereciam as noites belas, provocou uma rebelião que tornou as noites totalmente escuras em todo o mundo (…)
(…) foi uma menina em especial que fez com que os Nebulos voltassem atrás. Toda a noite, após seus pais dormirem, ela caminhava até o último andar de sua casa com seu cobertor favorito, saía por uma pequena janela que dava no telhado de sua casa, enrolava-se com seu cobertor e sentava lá para observar as estrelas, as vezes levava bloquinhos de nota para desenhar suas constelações favoritas.
Aquele era seu lugar favorito no mundo, pois lá sentia que o seu universo interior era tão grande quanto as galáxias que avistava (…)
Uma Esperança
Beatriz Ramos
(…) O dia amanheceu, Hope acordou e se desesperou ao ver que não estava em seu quarto mas sim em um lugar sujo, cheio de crianças chorando por todos os lados, Hope nunca havia visto tanta tristeza e sofrimento em seus 9 anos de vida.
Meses se passaram, Hope estava brincando com seus amigos até que sua mãe chegou perto dela e falou com um sorriso no rosto que finalmente voltariam para casa…
Quando saíram do campo de refugiados Hope avistou vários balões que pareciam mágicos voando no céu, balões gigantes e coloridos, e ficou animada para entrar de uma vez no balão para sentir a brisa do ar. Todos correram para os balões mágicos, havia um para cada família…
Hope não conseguia tirar o olhar do céu, pois nunca havia visto ele de tão de perto, quanto mais o balão ia avançando, mais Hope ficava com borboletas no estomago, mal podia ver a hora de sair correndo pelo quintal da sua casa de volta.
(…) O balão pousou, todos saíram e Hope correu por entre todas as flores e foi até a macieira que sempre via todas as manhãs, e para a sua surpresa estava repleta de maçãs.
Um ponto muito importante no design dos livros ilustrados é a relação entre os textos e as imagens. O texto escrito é organizado espacialmente, no que se refere às imagens, estas podem ser distribuídas na página, integrando figuras e texto, no intuito de atrair a atenção do leitor, além de promover uma leitura agradável e significativa. O leitor pode ler o texto, depois observar as imagens e voltar ao texto quando preferir.
E o texto, em vídeo, na língua de sinais? No vídeo, a organização do texto é feita no tempo. As imagens podem ser colocadas junto a sinalização, entretanto será necessário prever algum tempo para a observação das imagens. Se o leitor desviar o olhar para observar o desenho, pode perder partes da interpretação. Ou, as imagens podem ser apresentadas sequencialmente, primeiro o texto, depois as imagens. Contudo, o tempo de exposição das imagens não dependerá do interesse do leitor mas, sim, do tempo do vídeo.
As imagens também podem ser planejadas de forma integrada com a interpretação. Em Libras, a composição e os recursos de edição de vídeo também podem conduzir, de forma agradável, o olhar do leitor e o uso de animações. Além disso, pode contribuir para integrar as ilustrações com a sinalização. Algumas vezes o intérprete assume um personagem, em outras é o narrador que conta e mostra o que está acontecendo. É recomendado pensar nessa integração de imagens, animações e texto desde a concepção inicial da história.
Mas, ainda temos muito para conhecer, refletir e discutir sobre isso. É um ótimo tema para a próxima edição da reVISTA.
O trabalho foi orientado pela prof. Daniela Almeida.