Para desenvolver uma atividade projetual, seja de design, comunicação visual, de multimídia, de arquitetura, é sempre importante uma aproximação com o usuário. Tentar conhecer melhor suas características, desejos, interesses, comportamento e cultura é uma parte importante do trabalho. E geralmente exige uma observação bem de perto, com análise dos dados extraídos do mundo real cotidiano, utilizando técnicas de levantamento de dados específicas, como entrevistas, questionários de perfil e de uso, observação do usuário, análise do trabalho, grupos de discussão, testes de laboratório ou de campo. Essas observações devem ocorrer ao longo de todo o projeto, desde a etapa de especificação de requisitos, de teste com protótipos e de avaliação da usabilidade e da experiência do usuário na implantação do projeto.
Para quem pretende desenvolver projetos que tenham como foco o usuário surdo, apresentamos um rico material a respeito da cultura surda, desenvolvido com vários participantes surdos que contam como é a experiência de viver em um mundo planejado para ouvintes e destacam aspectos importantes para se compreender melhor suas necessidades e desejos.
o projeto foi desenvolvido com o objetivo de produzir material didático de apoio à disciplina de Cultura Surda do Câmpus Palhoça Bilíngue e às escolas inclusivas e Associações de surdos e estará disponível no canal do YouTube para quem tiver interesse na temática. É ainda uma referência muito útil para o design e produção multimídia de materiais acessíveis.
Os vídeos apresentados no material didático ensinam sobre o ser surdo, a comunidade surda e a cultura surda. O material mostra a importância da língua de sinais como base para a construção de significados produzidos em enredos, cenários e personagens dessas histórias, entre outros elementos que colaboram para narrar, posicionar e constituir representações sobre surdos, suas práticas, sua língua, suas experiências, suas formas de ser e de pertencer no mundo.
Tatiane Folchini dos Reis
O projeto consiste na elaboração e produção de vídeos em Libras acerca da Cultura Surda e de informações relacionados à Libras. No total foram cinco vídeos abordando os seguintes temas:
- História dos Surdos no mundo e no Brasil;
- Lei de acessibilidade em Libras;
- Cultura geral e Cultura Surda;
- História da profissão de tradutor intérprete de Libras;
- Coda.
O material foi produzido em vídeo com sinalizantes da Libras e legendado em português para possibilitar o entendimento das informações por quem não é fluente em língua de sinais, para incentivar o aprendizado da cultura surda e para melhorar a comunicação entre surdos e ouvintes no cotidiano.
O projeto é baseado nos conceitos de identidade e cultura surda. De acordo com Fabrício, as identidades surdas são construídas na cultura, assim como é na cultura que se estabelecem fronteiras para o que chamamos cultura surda.
Os surdos, em sua maioria, começam a constituir suas identidades na escola, pois grande parte tem pais ouvintes e, em casa, tem pouco contato com a cultura surda, não tendo a chance de usar Libras. Vejo que as questões de vivência e convivência em comunidades, grupos, espaços comuns, são fundamentais para a construção das identidades surdas, pois nelas as pessoas têm a possibilidade de estabelecerem sua pertença, se compreendem como coletividade e também compartilharem experiências, práticas e conhecimentos. As lutas que a comunidade vem travando em busca de respeito pela sua língua, pela sua cultura e pela sua história são muito semelhantes às lutas de outros grupos sociais – quilombolas, indígenas, e muitos outros. Entre as lutas mais importantes dos surdos está o direito de usar a língua de sinais e, nesse sentido, a lei de Libras, no 10.436, foi a maior conquista da comunidade surda no Brasil.
Fabrício M Ramos
A língua de sinais está na base da cultura Surda e é considerada fundamental para a educação de surdos e para promover a acessibilidade.
Para encontrar a cultura surda, é preciso buscar o lugar onde se materializam os hábitos e costumes. Ela pode ser encontrada em espaços que unem as pessoas surdas pela língua e pelas características em comum, como a visualidade. Nesses espaços percebe-se um conjunto de práticas referentes às comunidades surdas, como a Literatura Surda, teatro, cinema, piadas com humor surdo, esporte, lazer.
Tatiane Folchini dos Reis
E para desenvolver o projeto de identidade visual, os projetistas usaram esses conceitos como referência e destacaram a língua de sinais.
Além de indicar essa produção, nós da reVISTA conversamos com a equipe que desenvolveu o material para saber como foi o trabalho e o que consideram mais importante.
Laura conta que o processo de trabalho foi difícil, precisou treinar muito e contar com a ajuda do professor para entender os significados e fazer a tradução. Durante as gravações errou várias vezes e precisou se acalmar e repetir até acertar. Mas também conta que o esforço valeu a pena e recomenda que os colegas participem desse tipo de projeto, pois as experiências são muito boas.
Jaqueline também considera que o processo de trabalho foi longo e difícil. Precisaram treinar muito e pesquisar em diversos sites, livros, revistas e no youtube antes de começar as gravações. Para ela é importante ter paciência e procurar não ter medo de errar.
Considera que foi uma experiência diferente, trabalhando com uma cultura diferente, uma língua diferente, a adaptação, o texto tudo diferente, mas que isso é muito bom para adquirir conhecimentos sobre a cultura e a língua dos surdos e que é gratificante finalizar e ver que pode contribuir com as pessoas que precisam de material e informação.
Taynara conta que no projeto foi possível desenvolver a leitura do português e contribuir com os colegas que estavam aprendendo Libras. Houve uma troca muito rica entre surdos e ouvintes.
Também contou que é preciso ser persistente na sinalização, ser sempre positivos e atentos, que não se pode desanimar. Mas adorou participar do projeto e aprendeu muito.
O professor Fabrício é o idealizador do projeto de produção de material didático focado na cultura surda.
Fabrício considera que o material didático sobre a cultura surda é muito importante tanto para o IFSC Palhoça bilíngue quanto para todos os outros, já que os ouvintes têm dificuldades para encontrar informações adequadas sobre o tema.
O material didático foi gravado em Libras e com legenda para os ouvintes. Foi difícil informações corretas e principalmente os sinais certos para palavras desconhecidas. Foi preciso pesquisas e contatos com outros profissionais surdos além de buscarem informações na internet.
Fabrício destacou também que os estudantes de tradução e interpretação foram muito esforçados para fazer as gravações em Libras, que receberam ajuda dos alunos surdos e do curso de pedagogia bilíngue e que ajudaram a fazer as legendas em português.
A professora Tatiane aceitou participar do projeto porque o tema cultura surda é muito importante.
O projeto contou com quatro bolsistas que desenvolveram as pesquisas sobre quatro assuntos diferentes relacionados à cultura surda. Depois de pesquisarem em vários sites, livros e artigos, organizaram os textos e fizeram as entrevistas.
Tatiana conta que nas gravações, que foram feitas depois de muitos ensaios, os alunos estavam nervosos, erravam e tinham que regravar, e que foi necessário muitas horas de trabalho. Além dessas dificuldades, nas etapas de edição e animação precisaram contar com a ajuda dos alunos do curso de Tecnologia em produção multimídia. Mas considera que o resultado ficou maravilhoso porque o material ficou bem adaptado e os alunos aprenderam muito sobre o tema de cultura surda.
Os entrevistados destacam que para desenvolver projetos acessíveis é indispensável que se leve em consideração os aspectos culturais e que se busque cativar os usuários propiciando que se identifiquem com a proposta e se apropriem do material.